Ativista foi chamada publicamente de ‘retardada’ pelo colunista Rodrigo Constantino e de ‘histérica’ pelo locutor Gustavo Negreiro

A recente polêmica que envolveu Greta Thunberg, segundo biografia no Twitter de 2,6 milhões de seguidores “ativista climática e ambiental de 16 anos de idade com Asperger”, traz à tona um termo pouco conhecido, mas muito praticado: a psicofobia. Ela foi chamada publicamente de “retardada” pelo colunista Rodrigo Constantino e de “histérica” pelo locutor Gustavo Negreiro.

Ofuscadas entre outras agressões pesadas contra Greta, que colocaram nos trending topics do Twitter a hashtag #desculpagreta no dia 26 de setembro, as falas de Constantino e Negreiro poderiam ser consideradas crimes. Segue no Senado o Projeto de Lei nº 74, de 2014, de autoria do senador Paulo Davim, que torna a psicofobia (atitudes preconceituosas e discriminatórias contra os deficientes e os portadores transtornos mentais) um crime, assim como são homofobia e o racismo.

O PL está arquivado desde dezembro de 2018, mas isso não altera o cunho criminoso de ofensa praticada contra qualquer deficiente por conta do Estatuto da Pessoa com Deficiência (lei n. 13.146/2015 – Lei Brasileira da Inclusão), destinado a assegurar e promover, em condição de igualdade, o exercício dos direitos e das liberdades fundamentais para a pessoa com deficiência, estando expresso no estatuto o crime de discriminação. Há agravante quando a ofensa é feita por meio de comunicação social ou publicação.

“Por uma batalha longa e muito justa, as questões do machismo, do racismo e da homofobia estão mais incorporadas à nossa sociedade do que a psicofobia. Dizer que uma pessoa é louca – às vezes porque ela discorda da sua visão de mundo – não é sequer notado como um ato preconceituoso”, diz o psiquiatra Heitor Onoda Caldas. “É preciso falar no assunto para que a psicofobia seja mais conhecida e, por consequência, evitada.”

Não é incomum ver militantes de outras causas de igualdade dizerem, no meio de uma discussão: “Isso é obsessão, vai fazer terapia”, “esse cara é louco, precisa é de remédio”. Ou mesmo expressões que perderam a conexão com a ideia da loucura e não têm uma intenção pejorativa: “tu é doido, é?”, “ô louco, meu”, “eu fiz a louca e fui lá”. Algumas vezes a agressão é deliberada, como no caso de Constantino, mas outras tantas surgem como parte de um contexto cultural em que o assunto ainda foi pouco explorado.

“A psicofobia é quase o sintoma maior da doença da nossa sociedade que é a ignorância em relação à complexidade humana e a aversão e inaptidão de lidar com ela. O Brasil está hoje sofrendo um retrocesso do ponto de vista da reforma psiquiátrica e trazendo de novo a ideia das comunidades terapêuticas e dos manicômios, onde as pessoas são hospitalizadas involuntariamente. Se você for pensar, Hitler era um grande psicofóbico. Tinha psiquiatras que trabalhavam com ele e determinavam pelo tipo físico as pessoas que tinham tendência à loucura e as mandavam para a câmara de gás. O estopim da psicofobia é o nazismo, assim como tem esse paralelo com racismo e misoginia“, diz o psiquiatra Frederico Galanti.

A Associação Brasileira de Psiquiatria procura inicialmente trazer visibilidade para o problema com a campanha #psicofobiaexiste, lançada em 2018.

Dos 208 milhões de brasileiros, 50 milhões sofrem com algum tipo de transtorno mental, segundo pesquisa da Organização Mundial de Saúde. A medicina não chama os distúrbios mentais de loucura ou doença. Acredita-se que expressões como transtorno ou distúrbio costumam ser mais adequadas pois são condições, transitórias ou não, que afetam uma parte da vida do indivíduo. Pessoas com depressão, ansiedade, borderline, bipolaridade e asperger muitas vezes são bem-sucedidas no trabalho, no convívio social (em um dos aspectos ou ambos) e suas opiniões e posições no mundo não devem ser negadas por conta de seus diagnósticos: o estigma é um mal a ser combatido.

“A normalidade em si é bastante questionável. Se a criança não se enquadra a um sistema escolar que é totalmente engessado por ter hiperatividade, muitas vezes procuram tratamento medicamentoso para adequá-la a um padrão quando se poderia, antes ou no conjunto do tratamento, desenvolver habilidades ou adaptações para que o jeito de ser dela se integrasse ao meio“, diz Heitor.

Um casal de médicos que preferiu não se identificar – ela geriatra, ele cirurgião – deparou-se com a primeira crise de raiva do filho, que muitos anos depois foi diagnosticado como Asperger, quando ele tinha um ano e meio. “Ele começou a gritar sem parar no carrinho, incontrolável. Era uma criança doce, não era um comportamento esperado e nos preocupamos.” Mas foram levá-lo pela primeira vez ao psicólogo apenas dois anos depois e, mesmo os dois vindos da área da saúde, só foram perceber que o filho apresentava sintomas do espectro do autismo quando ele entrou na escola. Desde então, as dificuldades foram muitas: aceitar, encontrar ajuda adequada, enfrentar o bullying na escola, apoiar a integração na faculdade, a primeira entrevista de trabalho. Hoje, o filho está com 21 anos e segue a vida com constantes evoluções, desafios superados e cada vez mais autonomia. A psicofobia, entretanto, é algo a ser enfrentado diariamente.

“É fundamental o investimento em formação aos professores para que eles estejam aptos a reconhecer as psicopatologias e diversidades ainda cedo, quando o tratamento costuma ser mais efetivo“, diz a mãe. A informação minimiza o sofrimento vindo de bullying e a falta de consciência e, ao mesmo tempo, ajuda na rapidez do diagnóstico.

Os distúrbios mentais estão crescendo?
A quantidade de casos de depressão cresceu 18% no mundo em dez anos, segundo pesquisa divulgada pela OMS. 20% dos adolescentes têm depressão e ela é uma das principais causas de suicídio, sendo que houve um aumento de mais de 30% das mortes por suicídio em pessoas jovens.

A conscientização sobre a psicofobia é o que os profissionais de saúde consideram essencial. A partir disso, uma constante reavaliação das falas e atitudes no dia a dia, torna-se natural. Escuta, respeito, apoio ao tratamento, seja a pessoa com transtorno próxima ou distante. No caso de alguém próximo, procurar ajuda psiquiátrica e se informar sobre possíveis atos de psicofobia que você pode deixar de praticar com ele/a apenas por compreender melhor. Se o comportamento “fora do padrão” for de um desconhecido, e que o incomode, também é possível procurar ajuda de um psiquiatra. O ideal é que a comunidade se ajude nisso e não deixe o indivíduo chegar ao isolamento nem colocar a comunidade ou a si próprio em risco, buscando ajuda o quanto antes.