Não é incomum ouvir de muita gente que vivenciou o período do regime militar – e de filhos que ouvem histórias dos pais e avós que presenciaram – que os relatos de limitação de garantias individuais, da prática de tortura e de perseguição, não retratariam, na realidade, o que o povo, de fato, viveu naquela época.

A história já abundantemente revelada, porém, contrasta essa desinformação que, no entanto, faz algum sentido ao ser contada por quem se limitou a levar uma vida normal, por vezes pacata, de qualquer trabalhador que acorda cedo, pega a condução, trabalha e retorna ao lar, e não ousou enfrentar o regime.

Os danos, para este cidadão resignado, embora relevantes, não atingiram diretamente sua honra, integridade física ou dignidade, e dizem respeito apenas a aspectos relativos ao exercício de sua cidadania, como a liberdade de expressão e reunião, adoção do sistema de eleição indireta e o fechamento do Congresso (portanto, a ausência absoluta de representatividade).

Diferentemente para aqueles estudantes, artistas, intelectuais, jornalistas, políticos e trabalhadores que se insurgiram, de algum modo, violento ou não e pelas mais variadas razões, contra o regime de exceção, muitos dos quais foram mortos, desaparecidos, exilados e perseguidos.

O livro “O que é isso Companheiro?”, do Fernando Gabeira, sem ter essa intenção, aborda essas duas realidades com sutileza: “O povo mesmo não parecia ter sido tocado pelo AI-5. A vida corria normal. Olhávamos a vida da janela de meu Wolks, entre uma e outra distribuição do ‘Resistência’. Copacabana engarrafada com as compras, centenas de pessoas desfilando pelas calçadas. Pareciam dois enredos paralelos. Nós ali, engarrafados com uma partida de um jornal clandestino, gente fugindo de casa, limpando suas estantes de livros suspeitos; e, nas ruas, as compras, a permanente trama sentimental, presentinhos, onde é que vou comprar o pernil, cuidado com os pivetes, procura fechar a bolsa.”

O golpe militar completou 56 anos. Em tempos de informação em massa que produz alienação, generalizações e simplificações de fatos históricos, é preciso sempre revisitar o passado para contraditar a falsa memória. Não há nada a comemorar.

Lucas Zigoni Campos é advogado e presidente do partido CIDADANIA de Mimoso do Sul – ES