O “kit-Covid” reúne diversos medicamentos cuja eficácia contra Covid-19 não é comprovada, como hidroxicloroquina, azitromicina, ivermectina e anticoagulantes. Apesar de a ciência provar que os remédios não funcionam no tratamento do vírus, eles continuam sendo prescritos por médicos – e acabam resultando em diversos efeitos colaterais.

Alguns dos remédios presentes no “kit-Covid” já têm nomes conhecidos. A ivermectina é usada contra infestações de vermes, parasitas e ácaros, a hidroxicloroquina é usada no tratamento da malária e azitromicina é um antibiótico. Mesmo com diversos estudos indicando que o uso desses medicamentos não tem benefício contra a Covid-19, os remédios têm uma rede de apoiadores.

Jair Bolsonaro (sem partido) é um dos defensores do “kit-Covid”, além de alguns médicos e do próprio Ministério da Saúde do Brasil – e apesar de muitos divulgarem os remédios como úteis para o tratamento precoce contra a Covid-19, o uso em altas dosagens e a longo prazo pode ser muito prejudicial à saúde. 

Conforme divulgado no Fantástico no último domingo, 28, a venda dos remédios do “kit-Covid” disparou nas farmácias, mas as consequências podem ser observadas nos hospitais, como na fila de transplante.

Segundo médicos ouvidos pelo Estadão, diversas pessoas que fizeram uso desses medicamentos contra Covid-19 estão apresentando quadros de doenças no fígado, hemorragias, insuficiência renal e arritmias. Cinco pacientes que entraram na fila de transplante de fígado em São Paulo se medicaram com ivermectina, e três morreram. 

Quais são as consequências do “kit-Covid”?

Em conversa ao EstadãoIlka Boin, professora da Unidade de Transplantes Hepáticos do Hospital das Clínicas da Unicamp, explicou que altas dosagens dos medicamentos, somadas às combinações de diferentes remédios, “desencadeiam um processo em que a célula ataca outras células, levando a fibroses, que causam a destruição dos dutos biliares,” responsáveis por transportar a bile para ser eliminada no intestino.

Valmir Crestani Filho, médico nefrologista do Hospital das Clínicas da USP, falou (via Estadão), sobre outros perigos relacionados ao uso do “kit-Covid”, como hemorragia e insuficiência renal.

O médico tratou pacientes que, após tomarem os remédios, desenvolveram diversos quadros:  nefrite intersticial aguda, hemorragia gástrica e até problemas respiratórios. Além de não ajudarem contra o vírus, as medicações podem gerar diversas complicações, dependendo de cada organismo.

“A partir do momento que essas medicações passam a ser usadas por milhões de pessoas, esses efeitos, mesmo que raros, começam a aparecer com mais frequência. Quando a gente prescreve um medicamento é porque os benefícios são maiores que os riscos. Se esses remédios não têm nenhum benefício contra a covid-19, todo efeito colateral foi em vão”, afirmou Valmir Crestani Filho.

Segundo o médico, o tratamento precoce ineficaz com medicamentos contraindicados também é a causa de diversas pessoas demorarem a procurar o hospital em caso de infecção pela Covid-19 – o que apenas piora o estado do infectado: “Em um dos últimos plantões, atendi um paciente que estava tomando cloroquina e usando oxigênio em casa. Ele chegou azul. Tive de intubar na hora”, explicou.

Segundo documento da Sociedade Brasileira de Infectologia (via BBC), outros efeitos adversos do uso dos medicamentos são retinopatias, hipoglicemia grave, toxidade cardíaca, diarreia, náusea, mudanças de humor e feridas na pele.


Alguém que enfrentou as consequências do “kit-Covid”

Em depoimento divulgado pelo Fantástico no último domingo, 28, uma mulher identificada como Cremilda, falou sobre as consequências do “kit-Covid”. Durante um ano, ela tomou três cápsulas de ivermectina a cada 15 dias, e desenvolveu uma doença chamada colestase.

Causada pelo excesso do medicamento, a colestase tem sintomas como dor no abdômen, coceira intensa, urina escura, cólicas e pele amarela. Ela acontece quando o fluxo de bile do fígado diminui ou para – e em Cremilda, está diretamente relacionada com o uso da ivermectina.

Na reportagem do FantásticoCremilda explicou: “Meus irmãos disseram que alguém disse para eles que um médico falou que a ivermectina era a cura ou então a preventiva e todos eles começaram a tomar. Eu não podia ficar de fora. É muito mais fácil você acreditar com força que aquilo ali é seguro e vai lhe proteger, né? É essas bobagens da vida que a gente faz”.