Foi por pouco, mas foi. O Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) decidiu hoje (18) pela demissão do procurador Diogo Castor de Mattos por violação de deveres funcionais. Castor de Mattos encomendou a instalação de outdoor em apoio à Lava Jato em Curitiba, em março de 2019. O painel expunha a imagem de nove procuradores integrantes da força tarefa da operação na capital do Paraná. Além disso, trazia em primeiro plano, como se fosse o personagem principal do enredo, Deltan Dallagnol.
Diogo Castor de Mattos acabou denunciado no CNMP, junto com outros procuradores da força tarefa, por um movimento representado pelo Coletivo Advogadas e Advogados pela Democracia. Castor tentou “esfriar” a gravidade de sua conduta apresentando um atestado médico fajuto para se afastar da operação. Na ocasião, o procurador chefe da farsa de Curitiba, Deltan Dallagnol, apoiou a estratégia. Dallagnol disse em um grupo de Telegram, segundo mensagens reveladas por meio da Vaza Jato, que o atestado ajudaria a abafar o caso. Só que não.
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A maioria do CNMP apoiou relatório da conselheira Fernanda Marinela de Sousa Santos no processo administrativo disciplinar, e decidiu pela demissão do procurador Castor de Mattos, mas com seis votos favoráveis. Na outra ponta, foram cinco contrários, a maior parte concordando que o financiador do outdoor pró Lava Jato cometeu improbidade. Porém considerando que “um puxão de orelhas” bastaria.
Para se ter ideia, em um desses votos contrários, o conselheiro Silvio Roberto Oliveira de Amorim Júnior teria sugerido suspensão de 16 dias, em vez de demissão, como informa o site Conjur. Desse modo, o cenário, ainda que alguma justiça tenha sido feita, é revelador da composição do Conselho Nacional do Ministério Público. Pois em um órgão que deveria zelar pelo respeito dos procuradores da República à lei e à ordem, faltou pouco para uma falha gravíssima de um procurador ir para debaixo do tapetão.
Para o Coletivo Advogadas e Advogados pela Democracia, porém, a decisão é histórica e deve, portanto, ser comemorada. “A decisão começa a restabelecer verdades sobre o que foi essa força tarefa da operação Lava Jato”, afirma a advogada Tania Mandarino, integrante do coletivo. Segundo ela, que acompanhou a sessão do CNMP, o julgamento chegou a ficar empatado em cinco votos pela suspensão e cinco pela demissão. O Voto de Minerva, decisivo pela demissão, coube ao vice procurador-geral da República, Humberto Jacques, que presidiu o julgamento. “O voto da brava relatora Fernanda Marinella, impecável, com alegações jurídicas irrefutáveis, foi o que certamente convenceu alguns conselheiros que talvez não estivessem com seu voto definido”, avalia Tania.
Violação de deveres funcionais
“Bem-vindo à República de Curitiba. Terra da Operação Lava Jato, a investigação que mudou o país. Aqui a lei se cumpre. 17 de março — 5 anos de Operação Lava Jato — O Brasil Agradece.” Era essa a frase estampada no outdoor, pelo qual Castor assumiu ter pagado. Como ficou comprovado pelas revelações da Vaza Jato, pelo inquérito da Operação Spoofing e por julgamentos do Supremo Tribunal Federal, era tudo uma farsa. Já existem até ações pedindo investigação e prisão de Deltan Dallagnol por ter adulterado delação premiada de ex-executivo da Petrobras com objetivo de incriminar o PT.
O CNMP instaurou o processo em setembro do ano passado, a pedido do coletivo Advogadas e Advogados pela Democracia, mas o corregedor Rinaldo Reis havia sugerido uma suspensão de 90 dias para Diogo Castor de Mattos. Um ano depois, segundo o Conjur, o julgamento foi suspenso por pedido de vista. Mas, antes desse adiamento, a conselheira Fernanda Marinela, relatora, já havia recomendado a demissão do procurador.
Quem fiscaliza quem
O Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) é o órgão encarregado de controlar e fiscalizar a atuação dos órgãos integrantes do Ministério Público nacional e de seus membros. O conselho é presidido pelo procurador-geral da República, e composto por outros 13 membros: quatro provenientes do Ministério Público Federal; três dos MPs estaduais; dois juízes, indicados pelo Supremo Tribunal Federal (STF) e pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ); dois advogados indicados pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB); e dois cidadãos de notório saber jurídico, indicados pela Câmara e pelo Senado.
Por sua, vez, condutas consideradas suspeitas por parte de magistrados, como Sergio Moro, são investigadas pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ). O órgão é presidido pelo presidente do STF, e um ministro do STJ exerce a função de corregedor. Os outros 13 demais integrantes são: um ministro do Tribunal Superior do Trabalho (TST), um desembargador de Tribunal de Justiça (TJ, segunda instância da esfera estadual), um juiz estadual, um juiz do Tribunal Regional Federal (TRF, segunda instância na esfera federal), um juiz federal, um juiz de Tribunal Regional do Trabalho (TRT), um juiz do trabalho, um membro do MPF, um membro de MP estadual, dois advogados (OAB) e dois cidadãos de notável saber jurídico e reputação ilibada, indicados por Câmara e Senado.
Muita gente critica o fato de se ter poucas notícias de punição a procuradores ou juízes porque eles são investigados por seus próprios pares. Portanto, o corporativismo acaba fazendo com que denúncias não sejam levadas adiante. O caso da punição ao procurador Diogo Castor de Mattos ainda é, portanto, uma exceção, mas não deixa de ser um alento. Ou, como celebra Tania Mandarino, histórico.