Supostas irregularidades foram levadas ao MPES pelo deputado Carlos Von, pelo vereador Armandinho Fontoura e pelo jornal eletrônico Folha do ES. Até as “provas” em um tal pen drive foram consideradas ilícitas. “Após detida análise dos autos, entendo que inexistem indícios da prática de ato de improbidade administrativa”, pontua o promotor de Justiça Rafael Calhau.

O Ministério Público do Estado do Espírito Santo, por meio da 27ª Promotoria de Justiça Cível de Vitória, promoveu o arquivamento do Inquérito Civil instaurado para apurar possível ilegalidade no processo licitatório nº 2019-3B685, que tem como objeto a contratação de empresa para implantação de Cerco Inteligente no Espírito Santo. O ‘Cerco’, a ser implantado pelo Departamento Estadual de Trânsito (Detran/ES), tem a finalidade de combater diversos tipos de crimes nas estradas, como tráfico de drogas e armas, roubos a cargas, sonegação fiscal e ainda fazer o controle viário e transporte de rochas. Sete pessoas investigadas foram ouvidas no procedimento de investigação.

Denúncias das supostas irregularidades foram levadas ao MPES pelo deputado estadual Carlos Von Schilgen Ferreira (Avante), pelo vereador Armando Fontoura Borges Filho (Podemos/Vitória), conhecido como  Armandinho Fontoura, e pelo jornal eletrônico Folha do ES. Davam conta de suposto direcionamento da licitação às empresas Dahua Technology e PERKONS, que venceram a licitação devido a desclassificação de um consórcio, cujo sócio havia sido condenado pele Justiça Federal do Distrito Federal, conforme o Blog do Elimar Côrtes informou com exclusividade na ocasião.

Assinada pelo promotor de Justiça Rafael Calhau Bastos, a decisão de arquivamento tem 19 páginas e afirma que, “após detida análise dos autos, entendo que inexistem indícios da prática de ato de improbidade administrativa…Não vislumbro quaisquer indícios de dolo em favorecer participantes ou em violar os princípios que regem a Administração Pública”. Segundo ele, a princípio, foi instaurado Notícia de Fato com o intuito de fiscalizar e acompanhar as providências adotadas pelo Detran em relação à implementação do plano de monitoramento logístico de transporte de rochas ornamentais, conforme estudo apresentado pela Universidade Federal de Santa Catarina.

Conforme relatou o ofício inaugural, em 1º de março de 2018 foi assinado o Contrato nº 04/2018 entre o Detran e a Fundação de Estudos e Pesquisas Socioeconômicas (FEPESE), cujo objetivo foi o desenvolvimento de estudos e pesquisas aplicadas sobre acidentes de trânsito e suas causas no Espírito Santo. Ainda no âmbito do Detran, foi desenvolvido outro projeto voltado à segurança no trânsito, denominado Projeto Cerco Inteligente, que foi baseado nos estudos e nas pesquisas desenvolvidas, com o objetivo de implantar uma plataforma tecnológica de monitoramento veicular, operando simultaneamente entre diversas entidades envolvidas, otimizando, assim, as fiscalizações pertinentes a cada uma das áreas (trânsito, fazenda, ambiental, segurança pública) realizadas nas rodovias estaduais e demais vias públicas do Espírito Santo.

No Inquérito, o promotor de Justiça Rafael Calhau ressalta que, em conformidade com a documentação apresentada, o projeto do Cerco Inteligente foi concebido para atender diversas demandas de interesse público, tais como: (i) balanças e câmeras especiais com Inteligência Artificial para controle de cargas perigosas como pedras, toras de madeira, produtos químicos ou cargas de grande volume; (ii) Câmeras e radares especiais com Inteligência Artificial para controle de veículos (roubo, sequestro, fugas, IPVA vencido, placa clonada, direção perigosa e delitos de trânsito diversos), e (iii) câmeras e radares especiais com Inteligência Artificial para controle de veículo de carga e transporte a fim de coibir os crimes fazendários e evasão de divisas.

O sistema vai operar simultaneamente entre todas as agências envolvidas, que, além de possibilitar a integração entre os partícipes, irá gerar grande economia de recursos públicos e dotar o Estado com uma tecnologia que permite receber dados completos para cada uma das áreas envolvidas. As agências envolvidas são a Secretaria de Estado da Fazenda (SEFAZ), a Secretaria de Estado do Meio Ambiente (SEAMA), a Secretaria de Estado da Segurança Pública e Defesa Social (SESP) e a Secretaria de Governo (SEG).

Em 6 de janeiro de 2020 foi publicada a Instrução de Serviço nº 13 de 03/01/2020 que instituiu a Comissão Especial de Licitação Multidisciplinar, composta por membros do Detran e dos demais órgãos. Em seguida, a Notícia de Fato foi transformada em Procedimento Administrativo, a fim de acompanhar as providências a serem adotadas durante o processo licitatório e contratual de empresa para a implementação do Cerco Inteligente.

O Detran disponibilizou cópia integral do Processo 2019-3B685 e o estudo realizado pelo Laboratório de Transportes e Logística (LabTrans/UFSC), que foi utilizado como base para o Termo de Referência.

De acordo com o promotor de Justiça Rafael Calhau, foram colacionados aos autos cópia da consulta pública – SEG/CIDT nº 003/2019 – e dos questionamentos/impugnações apresentados pelas empresas Velsis Sistema e Tecnologia Viária S.A, Geocontrol Soluções Integradas, empresa DGTGerenciamento e Controle de Trânsito S.A, Perkons S.A, Avantia Tecnologia e Engenharia S.A, Johnson Controls BE do Brasil Ltda, Teltex Tecnologia S.A, Serget Mobilidade Viária Ltda, Pulmatronix Equipamentos Eletrônicos Ltda, Verth Tecnologia e Serviços Ltda e Fiscal Tecnologia e Automação Ltda, dentre outras.

“Registra-se, por oportuno, que as referidas impugnações apontavam a possibilidade de direcionamento a determinadas marcas. De igual forma, o Deputado Estadual Carlos Von Schilgen Ferreira, indicou diversos itens como tendo sido direcionados às empresas Dahua e Perkons, mencionando, inclusive, os modelos de equipamentos que atenderiam às exigências do edital”, pontua Calhau, que completa:

“As impugnações foram julgadas improcedentes pela Comissão Especial de Licitação, com amparo em parecer técnico que afirmava que não havia direcionamento de licitação para a empresa Dahua, sem, no entanto, adentrar quanto ao atendimento dos questionados itens por outros fabricantes”.

Rafael Calhau informa que, encerrada a de lances, se sagrou vencedor o Consórcio ITS composto pelas empresas Sigma Engenharia Indústria e Comércio Ltda, Fiscal Tecnologia e Automação Ltda e Teltex Tecnologia S/A, ofertando o lance de R$ 118.773.485,00. “Porém, o Consórcio veio a ser desclassificado face uma das empresas integrantes, a Fiscal Tecnologia da Informação, possuir condenação por ato de improbidade administrativa transitada em julgada, perante o TJDFT (Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios)”, completa o promotor de Justiça.

Como consequência, o Consórcio Pedras Verdes, formado pelas empresas DAHUA Technology Brasil Comércio e Serviços em Segurança Eletrônica Ltda, Perkons S/A e Velsis Sistemas e Tecnologia Viária S/A, restou classificado, com a proposta no valor de R$ 139.950.000,00.

Em 6 de abril de 2021, o Ministério Público Estadual, ao tomar conhecimento do teor das impugnações que apontavam “suposto direcionamento de licitação”, expediuse a Notificação Recomendatória nº 03/2021, na qual o Detran foi instado a suspender a licitação, se abstendo de adjudicar seu objeto ou a celebrar contrato administrativo, até a elucidação dos fatos.

“Registra-se que após a reconsideração parcial da citada Recomendação, o Detran acolheu seus fundamentos e, via de consequência, suspendeu a fase final do certame e a assinatura do contrato, se comprometendo a enviar os autos, ao final, à SECONT e à PGE, para análise e revisão”, pontua Rafael Calhau.

Em seguida, o promotor de Justiça transformou o procedimento em Inquérito Civil, determinando diversas  diligências, “no intuito de elucidar o suposto direcionamento da licitação”.

De acordo com o Ministério Público, o Detran fundamentou que diversos equipamentos disponíveis no mercado atendem aos requisitos indicados no edital, salientando, ao final, que não houve direcionamento da licitação. Em seguida, foram realizadas audiências extrajudiciais, momento em que foi esclarecido que a PGE e a SECONT proferiram pareceres conclusivos sobre o certame licitatório, bem como que eventuais dúvidas existentes poderiam ser sanadas pelos técnicos do Detran e dos demais órgão participantes da licitação.

No eu relatório, Rafael Calhau informa que foram apresentados pelo  deputado Carlos Von, pelo vereador Armandinho Fontoura e pelo jornal Folha do ES, manifestações que reportavam a existência de um ‘pen drive’ que abrigava provas de direcionamento da citada licitação. “Contudo, por serem consideradas (as supostas provas no pen drive) ilícitas, não foram juntadas aos autos. Do indeferimento de juntada, os representantes recorreram ao Conselho Superior do Ministério Público, que confirmou a decisão de arquivamento das Notícias de Fato 2021.0002.2943-10, 2021.0006.9339-50, 2021.0006.9351-08, 2021.0006.9881-67, 2021.0007.0737-08 e 2021.0007.1913- 50. Por esta razão, as supostas ‘provas’ não foram ou serão analisadas nesta investigação”, esclareceu o promotor de Justiça.

Rafael Calhau faz também no relatório uma síntese das impugnações apresentadas em face do Edital de Pregão Eletrônico n° 0014/2020, que serviram de baliza para o direcionamento desta investigação. Ele ressalta que Diversas das impugnações se referiram, exclusivamente, a questões jurídicas e irresignações quanto a escolhas lícitas da Administração, as quais foram devidamente conhecidas pela Comissão de Licitação, além de serem objeto de análise pela SECONT e pela PGE, que as refutaram fundamentadamente.

Pontua Rafael Calhau: “Não vislumbro quanto aos questionamentos jurídico-administrativos constantes destas impugnações, quaisquer indícios de dolo em favorecer participantes ou em violar os princípios que regem a Administração Pública. Tratam-se de discussões normais em disputas licitatórias, notadamente quando o ordenamento jurídico brasileiro sobre o tema é vago e as decisões judiciais oscilam entre entendimentos antagônicos, gerando insegurança jurídica e permitindo diversas interpretações, razão pela qual, diante da regularidade da atuação dos órgãos de controle interno do Estado (PGE e SECONT), deixo de incluir suas análises nesta decisão, sob pena de tornar, indevidamente, o Ministério Público como uma instância recursal administrativa no âmbito da licitação”.

O promotor de Justiça registra ainda os dois pontos que sugerem “o direcionamento da licitação às fabricantes Dahua e PERKONS”, fatos estes de interesse às investigações, “por indicarem suposto ato ilícito (improbidade administrativa), que teria sido deliberadamente praticado visando favorecer mencionados fabricantes”.

O primeiro ponto, constante nas impugnações apresentadas pelas empresas Johnsson Controls do Brasil LTDA, Serget Mobilidade Viária LTDA, Engie Brasil Soluções Integradas, Verth, Fiscal e Pumatronix Equipamentos Eletrônicos LTDA, trata de questões técnicas atinentes às especificações dos equipamentos licitados, que supostamente direcionariam o objeto do certame às empresas DAHUA e PERKONS.

De acordo com Rafael Calhau, “a  verificação do suposto direcionamento mostrou-se complexa, face o estudo técnico preliminar que embasou a licitação não ter contemplado em sua versão escrita, a totalidade dos itens e equipamentos licitados. Ou seja, a deficiência do ente público em documentar os estudos preliminares no que tange às especificações técnicas questionadas fez com que a presente investigação se prolongasse por aproximadamente 180 dias, tempo necessário para a colheita de documentos, informações e depoimentos, indispensáveis à formação de convicção acerca da ilicitude noticiada”.

O promotor de Justiça deixa claro que, “finda a colheita dos elementos de prova possíveis e razoáveis neste momento, a hipótese trazida pelos impugnantes não restou comprovada”.

Ainda segundo Rafael Calhau, o Tribunal de Contas do Estado se posicionou também da seguinte forma: (i) no pedido de Medida Cautelar nº TC 2614/202, que por não vislumbrar irregularidades em questões atinentes à habilitação técnica e a prova de conceito, indeferiu a liminar pleiteada; (ii) e TC 05478/2021, onde a área técnica se manifestou no sentido de que houve concorrência no certame, opinando pelo indeferimento da medida cautelar, ainda a ser submetida ao Plenário da Corte de Contas”.

O segundo ponto indicativo de favorecimento, segundo o promotor de Justiça Rafael Calhau, seria a desclassificação do Consórcio ITS, composto pelas empresas Sigma Engenharia Indústria e Comércio Ltda, Fiscal Tecnologia e Automação Ltda e Teltex Tecnologia S/A, que teria ocorrido também para favorecer a empresa DAHUA.

“Observa-se que o Consórcio ITS foi inabilitado do certame, em razão de registro no CEIS da penalidade de proibição de contratar com o Poder Público relativa a empresa Fiscal Tecnologia da Informação, condenada em ação de improbidade administrativa”. E disse mais: “O local adequado a esta discussão são os autos da ação judicial originária, não sendo legítimo ao Ministério Púbico desconsiderar o registro judicial de penalidade no CEIS. Desta forma, a inabilitação do Consórcio ITS é, na verdade, medida impositiva à Administração, sob pena de descumprimento de decisão judicial proferida pelo Juízo competente, e consequentemente, violação ao princípio constitucional da separação e poderes.”

Por fim, registra Rafael Calhau, que diante de representação do Jornal Folha do ES, foram efetivadas diligências para verificar a verossimilhança da alegação de que Atila Castilhos teria sido intermediário e lobista na presente licitação, atuando junto ao então secretário de Estado Tiago Hoffman e a Vitor Murad, para direcionar a licitação à empresa DAHUA.

“O representado (Atila Castilhos) foi ouvido, relatando surpresa na referência a seu nome, e não havendo elementos mínimos que pudessem ensejar o aprofundamento desta análise, concluo pela ausência de sua verossimilhança”.

Rafael Calhau escreve que, “após detida análise dos autos, entendo que inexistem indícios da prática de ato de improbidade administrativa”. E acrescenta: “E, diante da ausência de dolo, que é por si só capaz de afastar a tipicidade, não se identifica nas condutas narradas impacto de relevância sobre os bens tutelados nas normas ditas violadas, indispensável para caracterizar o ilícito administrativo, mesmo porque, as irregularidades apresentadas nos pareceres da SECONT e PGE, ou nas recomendações do Ministério Público, foram sanadas”.