Um relatório produzido por técnicos do Tribunal de Contas da União (TCU) aponta que há “robustos indícios de fraude” nas licitações envolvendo a empresa Sulminas para o fornecimento de matéria-prima para a produção de cloroquina. O documento foi revelado pelo jornal Folha de S. Paulo e confirmado pela CNN, nesta sexta-feira (18). Em 2020, a CNN mostrou que o Exército pagou quase três vezes mais nos insumos comprados da empresa.

O relatório aponta ainda para a necessidade de continuar as apurações para avaliar se houve responsabilidade do presidente Jair Bolsonaro na determinação do uso de cloroquina para o tratamento da Covid-19. Segundo o documento, as explicações do Ministério da Saúde sobre de quem partiu a decisão não foram conclusivas.

Entre os meses de setembro e final de dezembro de 2020, o governo federal distribuiu 482 mil doses do medicamento para tratar pacientes em estado grave de Covid-19. Após a publicação de vários estudos, é consenso na comunidade científica de que a cloroquina é ineficaz no tratamento da doença.

Segundo consta no documento, durante as verificações sobre as licitações de cloroquina vencidas pela Sulminas, descobriu-se que a empresa participou de certames de forma irregular.

O relatório mostra que a Sulminas se apresentava como uma empresa de pequeno porte (EPP), mas que seu faturamento era superior ao teto para esse enquadramento – R$ 3,6 milhões ao ano até 2017 e R$ 4,8 milhões a partir de 2018. Além disso, entre os sócios da empresa, constam pessoas que possuem mais de 90% de participação em empresas de maior porte jurídico, o que também impediria a Sulminas de ser beneficiada com o regime jurídico diferenciado.

A conclusão do relatório é de que são robustos os indícios de fraude por parte da Sulminas nas 26 licitações das quais participou para fornecimento de Cloroquina, pois a empresa se apresentou com regime jurídico inadequado e, por vezes, participou de certames exclusivos para EPPs, o que pode ter causado prejuízos às demais empresas participantes das licitações.

Como essas descobertas não dizem respeito ao eixo central das apurações do TCU, os técnicos recomendaram a criação de um novo processo para tratar do assunto em separado.

Responsabilidade

Segundo consta no relatório, os objetivos centrais da apuração do TCU são: identificar se houve superfaturamento nas licitações; verificar se houve risco ou prejuízo em aumentar a produção de cloroquina em 84 vezes em comparação ao período pré-pandemia, sem haver comprovação científica do uso do medicamento para a Covid-19 e averiguar se o presidente foi diretamente responsável pelo aumento na produção.

Para os técnicos, como as diligências não foram completamente atendidas, não é possível responder a essas perguntas. O relatório menciona entre as perguntas pendentes de resposta aquela que determinaria quem autorizou o uso da cloroquina para o tratamento da Covid-19.

Veja íntegra do trecho:

“No caso de utilização dessa produção de cloroquina no combate à Covid-19, quem demandou e autorizou esse uso, apresentando os respectivos documentos, com dados do agente público (nome, CPF e cargo)”.

“Não foi respondida objetivamente. Desta forma, propõe-se reiterar diligência ao Ministério da Saúde quanto ao presente item”.

Além disso, o documento cita necessidade de aguardar a conclusão de outra apuração em curso, que definirá se houve irregularidade na decisão do Ministério da Saúde em alterar o protocolo de prescrição da hidroxicloroquina, indicando-a como tratamento de Covid-19, visto que apenas a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) poderia alterar a indicação de prescrição de um medicamento para uso diferente daquele informado em bula.

Rota da cloroquina

Em setembro de 2020, a CNN iniciou uma série de reportagens que revelou com exclusividade como o Exército pagou quase o triplo do valor pelo insumo da cloroquina. Na época, o Laboratório não contestou formalmente esse aumento no preço e só cobrou explicações por escrito à empresa depois de a compra, já finalizada, ter virado alvo de uma investigação no TCU.

No mês seguinte, a reportagem mostrou como o Laboratório Químico e Farmacêutico do Exército (LQFEX) prosseguiu com a compra de insumos para a fabricação de cloroquina mesmo sem ter resposta para diversos questionamentos feitos internamente por seu departamento jurídico sobre o preço inflado do produto. E em seguida, o fato do Exército ter procurado o grupo Sul Minas, responsável pela venda de insumos para fabricação de cloroquina, quase um mês antes em relação à única concorrente a participar da disputa e antes da formalização de qualquer processo público de consulta de preços.

Com o avanço dos estudos reforçando que o remédio tem ineficácia cientificamente comprovada contra o novo coronavírus, a CNN seguiu monitorando os mais de 3,2 milhões de comprimidos feitos, depois do presidente Jair Bolsonaro ter determinado à corporação que o produzisse para combate à Covid-19.

No início de fevereiro, o Exército informou ainda ter cerca de 83 mil comprimidos do medicamento guardados com validade até junho de deste ano. Segundo a corporação, desde o final do ano passado, cerca de 8 mil comprimidos produzidos no LQFEx foram distribuídos para Organizações Militares do Exército e cerca de 200 mil foram enviados para a Defesa Civil do Estado do Paraná.

Em nota, a Sulminas informa que todos os documentos das licitações são públicos e estão disponíveis no portal da Transparência. A empresa afirma que os insumos vendidos ao exército estavam dentro dos valores de mercado praticados à época, e que todas os certames das quais participou contaram com amplo conhecimento e participação pública.

Além disso, a Sulminas afirma que o porte da empresa está adequado ao simples nacional, e apta a participar de licitações como empresa de pequeno porte e que todos os certames das quais participou e foi vencedora foram homologadas pelos órgãos competentes, com valores adequados e que cumpriu todas as exigências de qualidade e de documentação.

A reportagem aguarda um posicionamento do Exército e do Ministério da Saúde.