As crianças nascidas a partir de 2016 na região contaminada pelo crime da Samarco/Vale-BHP, se expostas com frequência a peixes contaminados por metilmercúrio na fase fetal, já estão provavelmente sofrendo problemas cognitivos e neurológicos. Crianças expostas após o nascimento, adolescente e adultos em qualquer faixa etária, também devem acumular problemas de saúde dessa e de outras ordens, mesmo que de forma menos violenta. 

O alerta vem da pesquisadora em Saúde Pública da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio da Fundação Oswaldo Cruz (EPSJV/Fiocruz) Ana Cláudia Vasconcellos, uma das palestrantes confirmadas para o evento deste sábado (5), organizado pelo Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) em alusão aos sete anos do maior crime ambiental do país e um dos maiores do mundo.

A pesquisadora irá apresentar uma análise sobre os laudos oficiais de contaminação de pescado apresentados em agosto pela Aecom do Brasil, empresa contratada como perito oficial do juízo do caso – 4ª Vara da Justiça Federal em Belo Horizonte, sob responsabilidade do juiz Michael Procópio Ribeiro Alves Avelar – e que já aponta recomendações de restrição de consumo. 

“O nível de contaminação observado nos peixes predadores é alto o suficiente para provocar adoecimento nas pessoas da região. É preciso agora coletar amostras de cabelo para verificar a contaminação humana”, orienta a cientista. 

Em sua análise, Ana Claudia considerou a realidade de consumo de peixe nas regiões ribeirinhas e costeiras atingidas e estabeleceu a marca de 50g/dia como baixo consumo; 100g/dia como médio consumo; e 200g/dia como alto consumo. 

Outra variável importante foi se o peixe consumido é predador ou não. Como o metilmercúrio é bioacumulador, os peixes de topo de cadeia, predadores, acumulam mais o metal tóxico. Para esse grupo de pescado – tucunaré, bagre, traíra, piranha e robalo -, “homens e mulheres estão sob risco de adoecer, mesmo que façam consumo baixo”, sublinha. 

O cálculo levou em consideração a recomendação da Agência de Proteção Ambiental dos Estados Unidos (EPA, na sigla em inglês), que aponta para problemas de saúde decorrentes do consumo de 0,1g de mercúrio por dia por quilo corporal. 

Mulheres que comem peixe da região marinha, a uma média de 50g/dia, estão ingerindo duas vezes mais essa quantidade limite estabelecida pela EPA. Quem consome 200g/dia, ingere cerca de oito vezes mais. 

No caso de peixes da região dulcícola – Cascudo, curimatã e tilápia, por exemplo -, os riscos caem um pouco, pois a água doce tem concentrado menos contaminantes que o mar, mas um consumo alto desses peixes expõe as pessoas um nível de contaminação duas vezes maior que a recomendada. 

Um agravante se dá em relação às mulheres gestantes, já que o metilmercúrio ultrapassa a placenta, atingindo também o cérebro do feto. “Os efeitos deletérios no cérebro do feto são muito mais graves que nos de adultos, pois está em formação. Crianças que passam por essa exposição pré-natal correm sério risco de desenvolver problemas cognitivos, com perda de inteligência e até retardo mental leve”, alerta. 

Muitas vezes, ressalta, podem ser problemas sutis, que não chegam a ser clinicamente detectáveis, mas que afetam por exemplo o desempenho escolar, com dificuldade de concentração nos estudos. E são problemas que acompanham a criança durante toda a sua vida. “Perda cognitiva é irreversível e um comprometimento que vai afetar a vida acadêmica, profissional, e pode até afetar a expectativa de vida dessa pessoa”. 

No indivíduo adulto, a ciência considera outras consequências na saúde, como alteração do campo visual e da audição, aumento da agressividade, transtorno de sono, tremores e perda de coordenação motora. “Fala-se menos dos efeitos no sistema cardiovascular, mas já se sabe que quem ingere diariamente metilmercúrio tem alteração da pressão arterial, com riscos de infarto”.

Diante dos dados, a recomendação inicial é, além da realização de estudos nas pessoas, suspender o consumo de peixes predadores e reduzir a ingestão de peixes não predadores. “O mais prudente é o consumo apenas de peixes não predadores. Se a mulher está gestante, o melhor é não consumir nenhum peixe ou, no máximo, uma vez por semana”, pondera a pesquisadora. 

O metilmercúrio, explica, é umas das formas orgânica do mercúrio e é a mais perigosa para a saúde, tendo sido responsável pelo desastre de Minamata, no Japão. Até mesmo os estudos científicos sobre esse metal são perigosos e feitos de forma muito cautelosa, tendo havido caso de morte de uma pesquisadora nos Estados Unidos. 

Sete anos

O evento acontece neste sábado, no tradicional Buraco do Tatu, em Itaúnas, vila pesqueira em Conceição da Barra, no norte do Estado. O lema é “Rio Doce 7 anos de luta por Justiça! Plantar organização, colher Vitórias! Atingidas e Atingidos fazem sua história!”. 

A programação começa às 9h, com debates. Além de Ana Claudia Vasconcellos, outra palestrante confirmada é Lidiene Cardoso, coordenadora da Adai, entidade que prestará Assessoria Técnica aos territórios atingidos no Espírito Santo. O evento se encerra com um almoço e apresentações culturais. 

Em Mariana (MG), o evento em alusão aos sete anos aconteceu nesta quinta-feira (3). A última cidade será Caratinga, onde será realizado na tarde de sábado, no distrito de Ilha do Rio Doce.