Uma operação da Polícia Civil do Distrito Federal que investiga um grupo suspeito de enganar mais de 50 mil pessoas no Brasil e no exterior, nesta quarta-feira (20), chamou a atenção pelos valores prometidos como lucro para supostos “investidores” e pelo fato de o golpe ocorrer dentro de igrejas.

De acordo com a investigação, o grupo criminoso agiu por mais de 5 anos e era composto por pastores que induziam fiéis que frequentavam suas igrejas a pensar que eram “abençoados a receberem grandes quantias”.

Os suspeitos usavam uma teoria conspiratória conhecida como “Nesara Gesara” e prometiam lucro de até um “octilhão” de reais. Veja abaixo como funcionava o golpe a partir dos seguintes pontos:

  • Como era o esquema
  • O que é um octilhão de reais
  • Nesara Gesara: a ‘teoria conspiratória’ usada para dar o golpe
  • Pessoas jurídicas fantasmas
  • Quem foram os alvos da operação?

Como era o esquema

Segundo a Polícia Civil do Distrito Federal, o grupo criminoso é composto por 200 integrantes, incluindo dezenas de pastores. Dentro das igrejas, os fiéis eram incentivados a investir as economias em falsas operações financeiras ou projetos de ações humanitárias que não existiam.

Os criminosos prometiam “retorno imediato e rentabilidade estratosférica”. Conforme a investigação, os fiéis eram induzidos a pensar que eram “abençoados por Deus para receber grandes quantias”.

As redes sociais também eram usadas para cometer os golpes. O grupo anunciava ganhos de até um “octilhão” de reais e 350 “bilhões de centilhões” de euros.

A Polícia Civil do DF diz que o grupo movimentou R$ 156 milhões em 5 anos, além de criar 40 empresas fantasmas e movimentar mais de 800 contas bancárias suspeitas.

O que é um octilhão de reais

💸 Octilhão: 1.000.000.000.000.000.000.000.000.000 (27 zeros)

O número parece inventado, mas ele existe na escala numérica: “Afinal, os números são infinitos”, explica Ricardo Balistiero, que é doutor e professor de economia no curso de Administração do Instituto Mauá de Tecnologia (IMT).

No entanto, é impossível aplicar esse número em uma escala financeira realista: o octilhão tem três vezes mais zeros do que o bilhão. São 27 zeros ao todo: 1.000.000.000.000.000.000.000.000.000.

O economista e professor Cesar Bergo, da Universidade de Brasília (UnB), explica que, ainda que fossem reunidas as riquezas de todos os países do mundo, não chegaria nem perto dos valores prometidos pelos golpistas.

Nesara Gesara: a ‘teoria conspiratória’ usada para dar o golpe

Notas de real e dólar — Foto: Reuters via BBC

Notas de real e dólar — Foto: Reuters via BBC

Nesara significa National Economic Security and Recovering Act — inglês para Ato para Recuperação e Segurança da Economia Nacional – e começou com uma tese de doutorado no início dos anos 90, nos Estados Unidos. Mas, acabou se tornando uma teoria da conspiração nos anos 2000.

Conforme um podcast da BBC, que foi ao ar em agosto de 2021, em um dos seus estudos, Harvey Francis Barnard propôs um pacote de reformas econômicas que previam:

  1. Abolição de impostos;
  2. Perdão de dívidas de consumidores;
  3. Mudança radical no sistema monetário.

Em 1996, Barnard publicou um livro com suas ideias. Ele acreditava que ia persuadir o Congresso dos Estados Unidos a substituir o imposto de renda por um imposto nacional sobre vendas. No entanto, não obteve sucesso.

No início dos anos 2000, o Nesara ganhou força com ares de teoria da conspiração, a partir da blogueira estadunidense Shaini Goodwin. Antes de se espalhar fake news, Goodwin já havia se envolvido em golpes financeiros, segundo a BBC.

Nas redes sociais, a blogueira afirmava que o ex-presidente dos EUA Bill Clinton — que governou o país entre 1993 e 2001 — já havia aprovado o Nesara, o que não é verdade. Goodwin defendia ainda que os ataques do dia 11 de setembro haviam sido armados pelo também ex-presidente George W. Bush, com o objetivo de barrar a implementação do Nesara no país.

Durante a pandemia de Covid-19a teoria conspiratória ganhou ainda mais força e se espalhou pelo restante do mundo. Assim, surgiu sua segunda vertente, a GesaraGlobal Economic Security and Recovering Act — inglês para Ato para Recuperação e Segurança da Economia Global.

Além das medidas já propostas por Barnard nos anos 90, as pessoas acreditavam ainda que as moedas de todos os países valeriam uma cotação única a partir da adoção da Gesara.

Pessoas jurídicas fantasmas

Ainda segundo as investigações, depois de receber o dinheiro das vítimas, os golpistas criavam pessoas jurídicas fantasmas, com alto capital social declarado, para simular instituições financeiras digitais.

“A intenção era dar aparência de veracidade e legalidade às operações financeiras”, diz a investigação.

Conforme a Polícia Civil, as vítimas assinavam contratos falsos, com promessas de liberação de quantias desses investimentos, que estariam registrados no Banco Central e no Conselho de Controle de Atividades Financeiras (COAF).

Quem foram os alvos da operação?

Pastor Osório José Lopes Júnior — Foto: Instagram/Reprodução

Pastor Osório José Lopes Júnior — Foto: Instagram/Reprodução

A operação foi coordenada pela Delegacia de Repressão aos Crimes Contra a Ordem Tributária, vinculada ao Departamento de Combate a Corrupção e ao Crime Organizado do Distrito Federal(DOT/DECOR). Os agentes cumpriram dois mandados de prisão preventiva e 16 de busca e apreensão no DF e em quatro estados — Goiás, Mato Grosso, Paraná e São Paulo.

Os suspeitos devem responder por crimes de estelionato, falsificação de documentos, falsidade ideológica, lavagem de dinheiro, crimes contra a ordem tributária organização criminosa.

Os nomes dos suspeitos e os endereços dos mandados de busca não foram divulgados. O g1 apurou que um alvos de mandado de prisão é o pastor Osório José Lopes Júnior, que está foragido.

A defesa do pastor disse que ainda não teve acesso aos áudios condenatórios e que “acredita que houve um equívoco referente ao mandado de prisão”. De acordo com a advogada Maria José Ferreira, provavelmente, nesta quinta-feira (21) ela estará com as provas em mãos e poderá falar “com mais detalhes sobre o caso”.

O pastor Osório José Lopes Júnior tem um canal no YouTube, com mais de 70 mil inscritos e cerca de 500 vídeos publicados. Na página, ele se define como “pai, esposo e servo de um Deus vivo”.

Em seus vídeos, o líder religioso mistura pregações com pedidos de dinheiro para a “operação”. Segundo ele, em alguns dias, todos receberiam “aquilo que era o de direito”.

“Estou lhe implorando. Você que pode nos ajudar com R$ 10, R$ 20, R$ 100, R$ 1000, o que você puder. Compre essa briga junto com o pastor Osório. O que eu estou pedindo aqui é de coração. É o meu CPF, vai estar no nome do pastor Osório”, diz ele em um vídeo de julho deste ano.

Osório é acusado de aplicar golpes em fiéis de Goianésia, em Goiás, e em outras regiões do país, em 2018. À época, ele e outro pastor alegavam que haviam ganhado um título de R$ 1 bilhão, mas precisavam reunir fundos para conseguir recebê-lo.

O líder religioso prometia lucros até dez vezes acima dos valores repassados pelas vítimas e conseguiu cerca de R$ 15 milhões com o golpe. Para uma das vítimas, prometeu repassar mais de R$ 2 quatrilhões, valor que supera as fortunas somadas das dez pessoas mais ricas do mundo.

Em dezembro de 2022, a Polícia Civil prendeu um suspeito de envolvimento no esquema, em Brasília. A corporação aponta que ele usou um documento falso em uma agência bancária, simulando possuir crédito de R$ 17 bilhões. Mesmo após a prisão do suspeito, o grupo continuou a aplicar golpes.