Invisibilidade, preconceito, falta de acesso a serviços públicos e de implementação de direitos já garantidos em leis são barreiras apontadas por pessoas com deficiência

Em audiência pública nesta quarta-feira (1º) para discutir seus direitos, diversas pessoas com deficiência fizeram uma cobrança central: participação efetiva no debate das inúmeras políticas públicas que não necessitam de novas leis para existirem no Estado ou país. A reunião foi realizada pela Comissão de Saúde da Casa, presidida pelo deputado estadual Dr. Bruno Resende (União). 

O parlamentar abriu a audiência lembrando que os representantes PcDs foram chamados não para serem coadjuvantes, e defendeu que se são as políticas públicas que farão a demolição desses muros da inconsistência e da falta de dignidade, oportunizando condição de todos desenvolverem, “os próximos passos das políticas públicas não podem passar apenas por duas ou 60 mãos de deputados, mas também pelas mãos de quem sente na pele o que é ser uma pessoa com deficiência”.

Para o deficiente visual e presidente do Conselho Estadual de Assistência Social, Carlos Ajur Cardoso Costa, mais do que fortalecer as ações públicas, a pauta exige ainda buscar a conscientização da sociedade. 

“É preciso registrar que nós, pessoas com deficiência capixabas, também avançamos muito e conseguimos reabilitar. A prova disso é o número de pessoas com deficiência presente nesta audiência pública. Agora é preciso que a sociedade civil organizada se conscientize e nos aceite entre ela, é preciso que as pessoas nas ruas não se assustem quando veem um cego passar com a bengala, não se assustem quando veem uma mãe com uma criança com síndrome de Down”, refletiu.

Ajur destacou que o Censo 2022 trouxe que 8,9% da população têm algum tipo de deficiência, o que representa 19 milhões de brasileiros. No ES ele recorta que 360 mil pessoas têm algum tipo e que 40% são idosas. 

Tanto a necessidade de um mapeamento real do quadro PcD de todo o ES, quanto a questão da deficiência e o avanço da idade também foram citadas pela presidente da Associação Vitória Down, Lyslei Nunes Dias. 

“Quero chamar atenção para uma população que está meio esquecida, que é a adulta com a síndrome de Down, cujo envelhecimento precoce é comum, e temos que olhar com carinho, pois estão numa idade em que a família também envelhece e as deficiências começam a acontecer nas famílias”.

Abordagens

Regulamentos e documentos de secretarias e órgãos públicos precisam ser atualizados. O alerta foi dado pela conselheira estadual Rozilda Maria Dias. A ativista lembrou que termos inadequados precisam ser combatidos para que a pauta avance como conscientização de todos.

“No final do ano de 2008, onde se escrevia portador de necessidades especiais, passou a se escrever pessoa com deficiência, garantindo assim oportunidade e igualdade com mais dignidade(…) não foi de ontem pra hoje que conseguimos ser tratados como pessoas, antes éramos anjos de luz enviados por Deus, praga divina, aleijado, castigo… E conseguimos chegar ao ponto de sermos tratados como somos”, explicou.

Na análise de Suzana Lima da Silva, membro da Comissão de Direitos Humanos e da Intersetorial de Saúde da Mulher do Estado, para falar de direitos seria preciso falar antes da violação, da violência diária contra a pessoa com deficiência.

“Dificuldade de tudo, tudo o que a gente se propõe a fazer não tem acessibilidade, não tem olhar humanizado, é rejeição e a gente tem que ir numa mão dupla, numa velocidade a 180 porque não aguenta mais ficar pra trás”, desabafou. 

Suzana considerou que os governos municipais e estadual ainda pecam quanto à acessibilidade em locais e instrumentos públicos, inclusive o novo Aquaviário, a necessidade de expandir centros de reabilitação para o interior e do mapeamento da população capixaba.

Outro parlamentar que tem nos direitos da pessoa com deficiência uma bandeira, o deputado Allan Ferreira (Podemos), também defendeu a necessidade de centros de tratamento no interior, “sabemos que precisamos descentralizar o atendimento”. 

O ex-deputado estadual e atual subdiretor da Casa dos Municípios de Políticas e Ações Inclusivas, Doutor Hércules da Silveira, acusou que o público PcD ainda é muito esquecido pelas autoridades, precisando “requerer aquilo a que tem direito e que muitas vezes o poder público nega”.

Várias falas criticaram a situação do Centro de Reabilitação Física do Espírito Santo, do governo estadual, localizado em Vitória. Desde a acessibilidade no local até a falta de informatização dos serviços, passando pela dificuldade e qualidade de realização destes pelos servidores.

Representando a Casa Civil estadual, o cadeirante e assessor João Bosco afirmou que há três meses um Grupo de Trabalho envolvendo todas as secretarias busca identificar as ações de cada uma para a construção de uma política consolidada. Bosco garantiu que o Instituto Jones (IJSN) está analisando os resultados do Censo para estudar o mapeamento cobrado. 

PcDs, família e representantes

Valério Venturini Resende Rodrigues, cirurgião bucomaxilofacial do Hospital Evangélico de Cachoeiro de Itapemirim, após ouvir diversos relatos e cobranças de PcDs, trocou o discurso de especialista para falar como pai de criança com deficiência.

“Vou falar como pai, essa luta tem que ser de todos. A pessoa com deficiência é empreendedora, ela trabalha, ela quer construir, quer conquistar. Isso é muito sério. O que nós vimos aqui hoje talvez seja uma das coisas mais sérias que o Estado tem que acordar e resolver. Precisamos resolver situações que não podem impedir as pessoas ainda mais de se locomover”, afirmou.

Ao fazer uso do microfone ou ter atenção do público falando em Libras, as pessoas que lotaram o plenário destacaram diversos gargalos, descasos e falhas em políticas públicas que dificultam a rotina e a vida plena delas. O senhor José Olímpio alertou que “a questão de não ter acesso não é financeira, é discriminatória”, e que não seria necessário fazer nenhuma lei mais, bastaria cumprir o que existe.

Várias foram as reivindicações na audiência. A invisibilidade e o desconhecimento da situação de albinos sem acesso a protetor solar e outros materiais via SUS; a saúde da mulher com deficiência muitas vezes coagida a não fazer exame, pois médicos ginecologistas e equipes não são capacitadas; falta de apoio estatal no custeio de transporte para atletas surdos que representam o ES em competições; burocracia anual, como a necessidade de reapresentação de laudos médicos; e corte de direito ao passe-livre no transporte público por causa de renda incompatível.

Para Carla Costa, diante da pergunta “quais são as barreiras que dificultam o acesso à participação?”, uma resposta possível seria que “Estados e municípios estão descaradamente violando as políticas públicas, sabem o que têm que fazer, mas de fato não têm feito o que é necessário”.