Aos 10 anos, Gabriel de Barros Fontes vive com uma síndrome ultrarrara e sem cura que, segundo especialistas, afeta apenas cerca de 150 pessoas no mundo. Mas, sua alegria de viver e paixão pelo futebol, em especial pelo Vasco, fazem familiares e amigos priorizarem as conquistas e superação diante das dificuldades.
Filho único da dona de casa Saara de Moura Fontes, 26 anos, e do motorista Francisco Teixeira de Moura Barros, 39 anos, a família mora em Porto Canoa, na Serra, Grande Vitória.
O diagnóstico positivo para Hialinose Sistêmica Infantil (ISH) veio aos dois anos de idade, após passar por médicos em Vitória e ser encaminhado para um hospital referência em São Paulo.
Segundo os especialistas, a prevalência de casos da ISH é de menos de uma pessoa a cada 1 milhão de nascidos.
Gabriel com o pai Francisco e a mãe Saara, visitando o Buda Gigante em Ibiraçu, no Norte do Espírito Santo. — Foto: Redes sociais
Devido a alteração genética, Gabriel convive com limitação dos movimentos de braços e pernas, e má formações em dedos, mãos, boca, orelha, além dos membros, que precisam ser corrigidas com cirurgias plásticas feitas anualmente para retirar um tipo de excesso de pele que cresce, e minimizar a rigidez do menino.
A condição, entretanto, não impede que o garoto frequente a escola, brinque com os amigos e seja um apaixonado por futebol. Além de treinar em um clube serrano, Gabriel assiste, comenta e coleciona momentos com os jogadores do Vasco.
Diagnóstico e tratamento pelo SUS
“Quando ele nasceu, a doença não era visível, você olhava era um bebê normal. Só que aí chegou a fase de rolar, de sentar, e ele nunca foi chegou nesses movimentos, era sempre mais rígido”, lembrou a mãe Saara.
Entre oito meses e um ano também foram aparecendo lesões na orelha e nos dedos. A rotina de exames começou, mas o diagnóstico foi fechado quando Gabriel tinha dois anos.
“O momento em que eu fiquei mais impactada foi quando veio o diagnóstico, porque veio também a notícia de que era uma doença rara, sem cura e que a média de vida do paciente era de dois anos, que já era a idade com a qual ele estava. Então, por um tempo eu vivi no receio, esperando pelo pior a qualquer momento, mas depois vi que ele estava se desenvolvendo, me tranquilizei. Hoje, a cada ida aos médicos, eles ficam surpreendidos”, contou S
Mãe do Gabriel contou que, quando o filho nasceu, os sinais da doença não eram perceptíveis. — Foto: Arquivo pessoal
Todo o acompanhamento da doença do Gabriel é feito pelo Sistema Único de Saúde (SUS), desde a investigação para o diagnóstico até as cirurgias e fisioterapias.
Desde 2017, o atendimento é feito no Hospital de Reabilitação de Anomalias Craniofaciais da Universidade de São Paulo, em Bauru, conhecido como Hospital Centrinho.
O menino não toma remédios e não sente dores. Usa um andador e cadeira de rodas em alguns momentos, faz fisioterapia motora, para dar firmeza nos movimentos na Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (Apae) da Serra.
Gabriel não tem comprometimentos neurológicos. Estuda na Escola Municipal de Ensino Fundamental (Emef) Iolanda Schneider, no bairro onde mora, faz atividades, gosta de videogame.
“Ele está no quarto ano na escola e consegue acompanhar a turma super bem, tem auxílio da cuidadora que auxilia e o acompanha para ajudar na hora de escrever. Inclusive, só tira boas notas”, contou a mãe orgulhosa.
Xodó de colegas e professores, o aluno teve uma rampa da escola nomeada em sua homenagem, há três meses. (Veja acima)
“Meu dia a dia na escola é muito divertido, eu sou muito fácil de fazer amizade, porque eu interajo, converso. As crianças me incluem nas atividades, as crianças me ajudam no futebol, empurram o meu andador. […] O que eu mais gosto de fazer, sem, dúvidas nenhuma, é educação física!”, disse Gabriel.
Gabriel da Colina
Capixaba Gabriel com o jogador Pablo Vegetti. — Foto: Arquivo pessoal
Desde de sempre os pais perceberam que o menino dava uma atenção especial quando o assunto era futebol.
Em 2019, um policial militar que sempre ia a creche do Gabriel fazer o trabalho de Patrulha Escolar, percebeu essa paixão e perguntou para qual time o menino torcia, disse que daria uma camisa de presente para ele. A resposta foi: o Vasco da Gama.
Uma semana depois, o time indicado por Gabriel realizou um jogo no Estádio Kleber Andrade, em Cariacica, na Grande Vitória.
“Ganhamos os ingressos e fomos. Ele foi usando a camisa nova! Começou a acompanhar sério e não parou. Foi assistindo, pesquisando na Internet, começou a assistir jogos europeus. Hoje, Gabriel tem uma coleção de camisas de vários times, não só do Vasco, são mais de 50 camisas”, contou Saara.
O contato mais próximo com o Gigante da Colina, veio através das redes socais.
“Eu abri uma conta para ele na rede social, e comecei a publicar a rotina de terapias, a paixão pelo futebol, ele narrando alguns jogos, falando do Vasco, então acharam a gente. Hoje ele encontra com os jogadores de vez em quando, já participou da TV do clube, é conhecido de todo mundo”, disse Saara.
A partir de então, o garoto já esteve em São Januário, no Rio de Janeiro, cinco vezes. E em Cariacica, já foram mais cinco jogos também, em todas as ocasiões em que o time veio. Mesmo em casa, a TV fica ligada quase 24h exibindo partidas, mesmo reprises.
Com a ajuda de Pablo Vegetti, Gabriel vai acompanhar atento o último jogos do Campeonato Brasileiro do time do coração e, para o próximo ano, e não vê a hora de comemorar, quem sabe, um título na Copa Sul Americana.
Doença ultrarrara
O geneticista do Hospital Estadual Infantil Nossa Senhora da Glória (HEINSG), Olavo Siqueira, explicou que a Hialinose Sistêmica Infantil (ISH) é hereditária de carácter autossômico recessivo, associada a diferentes tipos de mutações do gene ANTXR2.
Causada por mutações genéticas nos alelos do pai e da mãe, está no grupo das doenças consideradas ‘ultrarraras’.
“Essa diagnóstico é de fato muito raro. Na última atualização de casos sobre a doença que vi, em 2020, estavam descritos 150 casos no mundo. É uma condição que pertence ao grupo de fibromatoses genéticas, provoca contraturas, anomalias, dor crônica grave”, apontou o especialista.
- Doenças raras: são consideradas doenças raras aquelas que afetam até 65 pessoas em cada 100 mil indivíduos, ou seja, 1,3 pessoas a cada 2 mil indivíduos.
- Doenças ultrarraras: são doenças crônicas, debilitantes ou ameaçadoras à vida que afetam até uma pessoa em cada 50 mil indivíduos.
Gabriel Fontes aos cinco meses, no colo do pai, Francisco Barros. — Foto: Arquivo pessoal
De acordo com o médico, as pessoas podem apresentar sintomas no nascimento ou na infância, e existe um amplo espectro de gravidade clínica do paciente. Os sintomas podem se apresentar desde o nascimento ou no começo da infância.
“Não tem como precisar um padrão, saber como vai acontecer, as apresentações são diferentes de uma pessoa para outra. É uma condição genética, não tem cura, não tem tratamento específico. O que é feito ao longo da vida são mais terapias de suporte, fisioterapias, para melhorar a condição do paciente”, explicou.
O médico reforçou que a ISH não abrange etnia ou região específica, pode acontecer com qualquer um, dependendo da combinação dos genes alterados dos pais combinados. Também por causa da raridade, é muito difícil suspeitar da doença em um primeiro momento.
“Em alguns casos, acontece o movimento alterado do crescimento intrauterino muscular, mas, normalmente, depois de nascido, o que começa a se notar é a redução de movimentos instantâneos, ou seja, um recém-nascido que não vai se movimentar muito, diminuição da elasticidade cutânea. Mas não vai ser a primeira suspeita dos médicos, eles vão avaliar todo um grupo de doenças, inúmeras situações genéticas para fechar o diagnóstico”, explicou.
Não existe registro da doença sendo tratada em hospitais no Espírito Santo, atualmente.