Quem nunca foi interrompido por uma ligação desconhecida no meio do dia? Seja uma oferta de telemarketing, uma pesquisa, ou mesmo uma tentativa de golpe, as chamadas automáticas — conhecidas como robocalls ou “metralhadoras” — se tornaram parte da rotina de milhões de brasileiros. E os números impressionam: cerca de 10 bilhões de ligações por mês são feitas por robôs no Brasil, segundo dados da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel).

Essas chamadas são geradas por sistemas computadorizados e têm curta duração, muitas vezes caindo antes de seis segundos. Apesar de rápidas, servem a propósitos bem específicos: confirmar se uma linha está ativa, identificar possíveis clientes e até preparar o terreno para fraudes mais elaboradas.

📞 Uma indústria silenciosa e poderosa

Durante um mês, uma investigação conduzida pelo Fantástico revelou como funciona essa engrenagem. A reportagem criou uma empresa fictícia e procurou fornecedores de serviços de robocalls. Não foi difícil encontrar quem oferecesse listas atualizadas de contatos — chamadas “mailings” — contendo nomes, telefones, endereços e até profissões, tudo à venda.

Em uma amostra obtida, a equipe encontrou dados pessoais de quase 70 brasileiros, incluindo o psicólogo Matheus Arend, de Guaíba (RS), que nunca autorizou o uso de suas informações. “Eu me sinto bastante invadido”, desabafou Matheus, ao saber que seus dados circulavam livremente.

Essas listas são usadas para disparar ligações automáticas a números previamente filtrados, garantindo que os atendentes de call centers economizem tempo e foquem apenas em contatos com “prova de vida” — ou seja, linhas efetivamente ativas.

🔔 O que acontece se você atender?

Ao atender uma robocall, muitas vezes o consumidor nem percebe o objetivo real da ligação. Se tentar retornar, ouvirá uma mensagem dizendo que o número é inválido. Isso acontece porque as chamadas usam números virtuais ou aleatórios, que não existem na rede convencional de telefonia.

Além de irritar, a prática causa sérios impactos sociais. Dados da Anatel mostram que, em janeiro e fevereiro de 2025, houve quase 24 bilhões de chamadas automáticas, um aumento de 12% em relação ao ano anterior. O bombardeio levou muitos brasileiros, como a empresária Rosaura Brito, a simplesmente parar de atender chamadas de números desconhecidos. “Recebo de 30 a 40 chamadas por dia, começa 8h01 da manhã”, conta.

Essa atitude, no entanto, tem consequências graves: órgãos como a Santa Casa de Porto Alegre relataram casos em que pacientes perderam transplantes porque ignoraram ligações de emergência. O mesmo acontece no mercado de trabalho: recrutadores muitas vezes descartam candidatos que não atendem chamadas.

⚠️ Quando o golpe vem pelo telefone

As robocalls também são uma ferramenta usada pelo crime organizado. Golpistas conseguem facilmente gravar áudios usando inteligência artificial e enviar mensagens falsas prometendo, por exemplo, empréstimos fáceis ou promoções falsas. Uma interação inocente, como dizer “sim” em uma ligação, pode ser gravada e usada para autorizar contratos ou transações fraudulentas.

“Eles forçam a pessoa a dizer palavras-chave que podem ser manipuladas depois. A orientação é simples: jamais diga nada. Desligue e bloqueie o número”, alerta o advogado José Milagre, especialista em crimes cibernéticos.

🔎 Mudança de DDD: um truque ilegal

Outro problema grave é a alteração do DDD nas chamadas. Empresas que oferecem sistemas de robocalls conseguem, ilegalmente, modificar o código de área de origem para enganar o destinatário, fazendo parecer que a ligação é local. Isso é considerado fraude eletrônica e pode levar a até oito anos de prisão.

Além disso, o sistema de números falsos impede o bloqueio eficaz das chamadas: como os números são gerados aleatoriamente, bloquear uma ligação não impede que outra, de outro número falso, seja feita em seguida.

⚙️ O que está sendo feito

A Anatel vem tentando combater o problema. Segundo a superintendente de relações com consumidores, Cristiana Camarate, 222 bilhões de ligações abusivas foram evitadas desde 2022. Agora, uma nova medida chamada “origem verificada” está em fase de implementação. Quando o sistema estiver em vigor, o celular exibirá o nome da empresa, seu logo e o motivo da chamada.

“A ideia é trazer mais transparência para o consumidor e permitir que ele decida com segurança se quer ou não atender”, explica Cristiana.

A Associação Brasileira de Telesserviços afirma que suas associadas não compram mailings de dados e atuam para evitar ligações abusivas. Porém, como demonstrado pela reportagem, o mercado paralelo de dados e robocalls ilegais continua ativo e lucrativo.

📢 O que fazer para se proteger?

  • Cadastre-se no site “Não Me Perturbe” para tentar reduzir o número de chamadas de telemarketing.
  • Não forneça dados pessoais por telefone.
  • Nunca diga palavras como “sim” ou “não” em ligações desconhecidas.
  • Use aplicativos de bloqueio de chamadas suspeitas.
  • Denuncie números abusivos à Anatel e ao Procon.