Um dia depois de completar quatro anos do rompimento da barragem de Fundão, em Mariana (MG), a Samarco –empresa controlada pela Vale e pela BHP Billiton — pediu na Justiça que o cadastramento de atingidos seja encerrado até o próximo dia 15 de dezembro. O rompimento, ocorrido em 5 de novembro de 2015, é considerado a maior tragédia socioambiental do país, deixou 19 mortos e causou danos por 700 km ao longo do rio Doce, com impactos em Minas Gerais e no Espírito Santo.
O pedido é citado em uma decisão do juiz Mário de Paula Franco Júnior, da 12ª Vara Federal em Belo Horizonte, também da quarta (6), que acatou a separação das discussões sobre cadastros e indenizações dentro do processo. Uma audiência foi marcada para o dia 11 de dezembro, onde todas as partes poderão se manifestar a respeito dos cadastros. Em trechos citados na decisão, a Samarco afirma que “é expressivo e crescente o número de solicitações de cadastro […] que configuram fraude” e que o tempo de atividade do programa já permitiu a manifestação de quem poderia pedir indenização.
A empresa não respondeu sobre números ou estimativa de fraudes. Diz que realizou busca ativa no território após o rompimento e cadastrou famílias que se declaravam impactadas, o que seguiu com a Fundação Renova, criada pelas mineradoras para executar ações de reparação. A Samarco alega que a medida é necessária para que a avaliação dos dados possa ser concluída e os pagamentos sejam “finalizados com celeridade”, e que 170 mil pessoas fizeram cadastros nestes quatro anos.
No documento entregue ao juiz pela Samarco, a Renova alega que “a natureza das demandas registradas a partir de 2018” se concentra em pedidos sem indicativo mínimo “quanto à efetiva verificação do dano alegado”. O pedido pegou de surpresa a força-tarefa que negocia as reparações com as empresas e que reúne Ministérios Públicos e Defensorias Públicas dos dois estados. Procurador do MPF no Espírito Santo, Malê Frazão diz que participou de uma reunião no início do ano onde a Renova já sondava a respeito do encerramento.
“Estão buscando um último recurso para conseguir o fechamento do cadastro, já que o Ministério Público não concordou, a Defensoria não concordou, nem atingidos, nem o Comitê Interfederativo (CIF), formado pelos governos de Minas Gerais, Espírito Santo e pela União”, diz ele.
A preocupação com o encerramento dos cadastros é com as pessoas que podem ficar invisíveis no processo. Entre os problemas identificados, diz Frazão, estão a metodologia usada na linha 0800, que induz as respostas, tem perguntas invasivas e filtros que dificultam chegar ao fim do cadastro. Foram identificadas ainda falhas na captação de dados. A questão é debatida em reuniões com as empresas.
Ainda não há dado preciso do número total de atingidos –uma estimativa calcula que possa chegar a 750 mil pessoas. Segundo a força-tarefa, o cálculo só pode ser feito com a contratação das assessorias técnicas que auxiliam atingidos em seus direitos, o que vem sendo dificultado pelas empresas. Dos 21 territórios mapeados, apenas três têm assessoria hoje.
A BHP diz que das 18 assessorias requisitadas, 16 já enviaram propostas que superam o valor de R$ 630 milhões e a empresa avalia se o escopo apresentado está condizente com o trabalho que será executado. O processo de cadastramento começou tarde, na avaliação do defensor público do Espírito Santo, Rafael Mello Portella Campos. O litoral do ES só foi reconhecido como área impactada no final de 2017, e o artesanato, como atividade atingida, no ano passado.
Em campo, a Defensoria identificou mulheres que não conseguiram se cadastrar e diz que não há dados de que a Renova tenha efetuado cadastros de artesãos, o que aponta para a dificuldade no reconhecimento de pessoas atingidas que estavam na informalidade. “Todo mundo tem interesse em terminar o mapeamento para a gente avançar na reparação”, diz Campos.
Procuradores e defensores alegam ainda que há falta de transparência. O MPF diz que a Renova não reconhece o fato de que a população atingida tinha diversas atividades econômicas, o que prejudica reparação da renda total que a pessoa tinha antes do desastre. Dados apresentados pela Renova, segundo o MPF, apontam que das 60.602 solicitações de cadastro feitas, 29.072 esperam por análise. O MPF diz que detectou pelo menos 1.600 casos de pessoas que a Renova considerou não atingidas, mas que se encaixam nos requisitos. Dos 30.062 núcleos familiares cadastrados até agora, apenas 9.329 receberam indenização.
A Samarco afirma que até agosto deste ano foram destinados R$ 6,68 bilhões para ações de reparação e compensação. Segundo a Renova, no mesmo período, R$ 1,84 bilhão foram pagos em indenização e auxílios financeiros emergenciais, que alcançaram 319 mil pessoas. A fundação lembra ainda que no TTAC (Termo de Transação e de Ajustamento de Conduta) que a criou estava previsto que o cadastramento ficasse aberto por oito meses, e que com o fim dos cadastros, pessoas poderão procurar outros programas oferecidos por ela, como o Programa de Indenização Mediada (PIM).