Alerta é da Campanha Nem Um Poço a Mais, que organiza ato público nesta quinta-feira em Vitória
Um volume de sedimentos equivalente a uma vez e meia o que foi lançado contra o Rio Doce pelo crime da Samarco/Vale-BHP em Mariana (MG). Em números absolutos, 64,4 milhões de metros cúbicos. Esse é o quantitativo de material que será dragado da costa de Presidente Kennedy, no extremo sul do Espírito Santo, para a construção das obras da fase 1 da implementação do Porto Central.
O alerta vem da Campanha Nem Um Poço a Mais, com base no Estudo de Impacto Ambiental (EIA) – processo nº 02001.006386/2011-40 – referente ao licenciamento do empreendimento no Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama). “Quais as consequências disto para a vida marinha e para a pesca? Impossível precisar, senhores da natureza. Não esperemos o pior acontecer”, anuncia a campanha, que convoca ato público para esta quinta-feira (15) em Vitória.
O EIA informa, segundo a campanha, que a dragagem abre espaço para as seguintes estruturas: “Quebra-mar sul, composto por rochas e um tombolo de areia em sua base de conexão com a linha de costa; Canal de Acesso Nearshore e Offshore e Bacia de evolução; Píer, composto por 1 jetty e 4 berços de atracação; e Retroárea com infraestrutura de acessos (principal e de serviço), estacionamentos, canteiro de obras, áreas de apoio, centro administrativo e centro de defesa ambiental”.
O documento informa que dos 64,4 milhões de m³, “2,9 milhões serão reutilizados na construção do tômbolo de areia do quebra-mar sul” e que “o empreendimento contempla ainda uma Área de Disposição Oceânica (ADO) para disposição do material proveniente da dragagem”.
Umas das entidades participantes da campanha e apoiadora do ato, a ONG Reflorestamento e Ecodesenvolvimento do Itabapoana (Redi) destaca a falta de informações sobre o impacto do Porto Central junto aos pescadores, especialmente as comunidades ribeirinhas que vivem a montante da foz do rio Itabapoana, onde o empreendimento pretende se instalar.
“Para os ribeirinhos não há nenhuma informação sobre os impactos. Isso é muito preocupante”, afirma o professor do Instituto Federal Fluminense (IFF) em Bom Jesus do Itabapoana Carlos Freitas, vice-coordenador da Redi. A primeira caracterização dessas comunidades, lembra, somente começou a ser feita às vésperas da liberação da Licença de Instalação, que ocorreu no mês passado. Mas as negociações sobre as condicionantes socioambientais só começarão em 2029, segundo a ONG ouviu das lideranças locais.
Além da dragagem e deposição dos sedimentos em uma ADO, haverá ainda aterramento dos alagados da Foz do Itabapoana e abertura de canais sobre a restinga, com desmatamento da vegetação nativa. Essas e outras intervenções, explana, irão mexer profundamente com as correntes marítimas e a salinização do rio, provocando impactos ainda desconhecidos sobre a flora e a fauna, com consequências diretas para a pesca. “A natureza tem uma dinâmica mais complexa do que a considerada pelos estudos do porto”, pondera o professor.
Ele conta que a partir da mobilização feita pela campanha na região, comunidades ribeirinhas ainda não contatadas para a caraterização iniciada pelo empreendimento manifestaram receio com as consequências que podem sofrer em seu modo de vida tradicional. “O peixe tem a migração dele, vive nos alagados, depois faz a piracema, sobe o rio. As mudanças na foz certamente irão afetar esse movimento”.
A negação de informações, lamenta o ambientalista, é uma prática recorrente por parte dos grandes empreendimentos como o Porto Central. “Essa é uma estratégia, dizer que não vai ter impacto, para não haver a mobilização das comunidades e, depois, elas irem minguando. Porque os impactos vão acontecendo e as pessoas vão desistindo de viver ali, vão cansando, vão migrando para outros lugares, há um êxodo, principalmente da juventude. Os jovens perdem a esperança, porque veem que a pesca foi impactada, que o modo de vida tradicional fica inviável”, descreve.
Como se tratam de comunidades de baixa renda, configura-se ainda um exemplo de racismo ambiental, acrescenta o vice-coordenador da Redi. “Para o empreendedor esse êxodo é um bom resultado. A comunidade morre e não fica ninguém para reclamar dos impactos”.
No ato público desta quinta-feira, a Campanha convida para um grito: “Parem o Porto Central. Nem Um Poço a Mais, Nem Um Porto a Mais”. O chamado é para às 13h30 na Praça Costa Pereira, no Centro de Vitória.
FERNANDA COUZEMENCO